sexta-feira, 27 de junho de 2014

Exercício de ser quem sou




É uma tarde de Primavera, eu tenho seis anos e estou a apanhar flores, que irei enfiar numa linha para fazer um colar. São amarelas e miúdas na memória que me ficou. Tenho seis anos, apanho flores e mora em mim toda a inquietação do mundo, ao pensar na certeza de que, um dia, no futuro, deixarei de ali apanhar flores e desaparecerão as vozes que ouço nos quintais em volta. Tenho seis anos, apanho flores e sou a solidão personificada. Abate-se sobre mim o silêncio futuro, deixado pelos que irão partir. Tenho seis anos. Deixei cair as flores e corro para casa, fugindo às lágrimas que insistem em irromper dos meus olhos de criança. 

Passou-se muito tempo e tornou-se invisível, a criança. Agora, um boneco agitado e espalhafatoso tenta abafar a inquietação do tempo breve e a saudade dos que deixaram vazios os campos, onde crescem flores amarelas, em silêncio.

2 comentários:

  1. Passei por acaso nesta existência e soube-me muito bem o que li. Vou voltar mais vezes (o nome do blog é lindo e fixa-se bem) e quero dar os parabéns á autora.

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    1. Obrigada, Sandra. Pelo elogio e sobretudo pela passagem por aqui.

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